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07 agosto 2006

Homem de Pouca Fé


"Depois de três épocas de grande euforia e decepções q.b., o Benfíca parte com as expectativas em baixa e as­sim vai chegar ao arranque de Verão, com uma elimina­tória europeia de capital importância. Camacho e Tra-pattoni puderam perder com toda a naturalidade nessa fase, mas Fernando Santos dificil­mente se reabilitaria de uma entrada em falso. Por isso, esta escolha é tão complexa e suscita reacções ambi­valentes: era óbvia a necessidade de o Benfíca voltar a ter um treinador que não careça de tempo para per­ceber a dimensão da 'casa', mas a necessidade de vencer justificaria a aposta em alguém mais fiável e se­guro"
in DICIONÁRIO DO FUTEBOL
RecordDEZ, 27 de Maio de 2006

• A Pior Pré-Temporada da história do Benfíca tem sido absorvi­da com bonomia e paciência pelos adeptos encarnados, adormecidos por uma opinião publicada bastante cordata e compreensiva. O treinador actual do Benfica, talvez por ser por­tuguês, talvez por ser uma figura do sistema, talvez por ser bom homem, tem boa imprensa. Não falta quem lhe dê o benefício da dúvida até aos jogos preliminares da Liga dos Cam­peões e o único ponto de discussão e dúvida foi gerado inadvertidamen­te pelo próprio, num momento de desnorte no fim do jogo com o AEK, ao admitir que iria empreender mudança do sistema de jogo, renegando com a maior das facilidades a táctica inovadora que tomara contornos de profissão de fé.
Depois de ter começado a desbravar o plantei pelos jo­gadores que podiam interpretar razoavelmente uma solução táctica da família do 4x4x2, ficando pratica-mente sem extremos, Fernando Santos vê-se na con­tingência de ter agora de voltar ao mato sem perdi­gueiro. O Benfica fez planeamento a apostar numa táctica inovadora no contexto do clube, mas inexplica­velmente admite abdicar dela perante sintomas de in­compreensão e incapacidade que os jogadores vão demonstrando re­lativamente às suas ideias.
Reco­nhecido como fervoroso crente, re­vela-se afinal um homem de pouca fé nas próprias convicções. Ao fim de três meses de trabalho de preparação e estudo, seria suposto ter uma ideia das capacidades e do espaço de manobra concedido aos jogadores, evidenciar controlo da si­tuação e confiança numa reviravol­ta.
Depois de testes desastrados no Algarve, entrou num perigoso processo de negação e cometeu o erro de assumir como decisivo o jogo de Atenas, num ambiente psi­cologicamente delicado por se tra­tar do seu anterior clube. Depois de um início razoável e de um jogo prometedor frente ao Bor­déus, não está absolutamente claro que os problemas de Fernando San­tos resultem da má escolha de sis­tema estratégico.
As deficiências fí­sicas, a falta de ritmo e uma absolu­ta apatia competitiva foram muito mais flagrantes em todos os jogos subsequentes do que o desenqua-dramento táctico, embora a lenti­dão dos defesas-centrais desaconselhe um esquema de exposição ao contra-ataque, que resulta de uma tracção dianteira mais pronunciada. Fernando Santos ousou mudar o que estava bem, porque procurava fa­zer melhor.
Se voltar atrás, provavelmente nunca mais vai ganhar a confiança da equipa e do clube.

João Querido Manha
in DICIONÁRIO DO FUTEBOL
RecordDEZ, 05 de Agosto de 2006